domingo, 3 de outubro de 2010

Eleição a bico de pena



Ao que parece, nessas eleições de 2010, teremos de volta a "eleição a bico de pena". Veja a definição histórica desse conceito:

"Dizia-se das eleições da velhíssima República, a de antes de 1930. Nestas, como se recorda, o voto não era secreto, mas “aberto”. O sistema de poder vigente tomava três tipos de precaução, para evitar surpresas nos resultados das eleições:



• primeiro, os chefes e caciques políticos, principalmente do interior, orientavam os eleitores a votar em determinados candidatos, e só neles; para isso, entregavam ao votante uma “marmita” (pilha) de cédulas dos candidatos em que deveriam votar;



• segundo, as atas das juntas apuradoras – freqüentemente, as próprias mesas receptoras – eram feitas para mostrar determinados resultados, nem sempre concordes com a contagem dos votos depositados naquela seção;



• terceiro, onde isso não era possível – nas capitais e grandes cidades de então, em que eram eleitos candidatos “indesejáveis”, de oposição – a Câmara e o Senado faziam a “verificação dos poderes” dos que se apresentavam a tomar posse. Aí, muitos dos “indesejáveis” sofriam a “degola”: seus mandatos eram invalidados pela Casa".

ELEIÇÃO a bico de pena. In: FARHAT, Saïd. Dicionário parlamentar e político: o processo político e legislativo no Brasil. São Paulo: Melhoramentos; Fundação Peirópolis, 1996. p. 323.


O historiador José Murilo de Carvalho também faz excelentes análises históricas em seus estudos sobre a cidadania no Brasil. Confira os livros: "Os bestializados" e "Cidadania no Brasil".

O que me chama a atenção nessas eleições de 2010 é que poderemos, novamente, ter essa triste e anti-democrática realidade no Brasil. O Supremo Tribunal Federal deverá decidir nessa semana sobre a validade ou não da lei da Ficha Limpa (ou Ficha Suja, como preferem alguns). Caberá ao STF, portanto, "validar" ou não a eleição, ou o direito à eleição, de alguns candidatos "condenados" (ou não... em definitivo) pela lei da ficha limpa. Mas não é esse o ponto, na minha opinião. O problema é o que se define por crime, por ficha suja e, mais do que isso: os cidadãos que votaram em determinados candidatos, "fichas limpas" ou "fichas sujas" não terão os seus votos validados. Na prática, será como se esses cidadãos tivessem votado "nulo", afinal, seus votos não valerão sequer para formar o quociente eleitoral que define os número de deputados federais e/ou estaduais, e, também, o quociente eleitoral que determina os votos validos para os cargos majoritários: governador e presidente, especialmente.
Diante disso, ouso indagar: será cabível e justo, para com o cidadão/eleitor em 2010, não ter seu voto e, portanto, seu líquido e substancial direito de cidadão e eleitor, não validado nessas eleições, ao menos para fins da validade universal das eleições?

O cidadão/eleitor também será "punido" pela Lei da Ficha Limpa, será ele, também, "ficha suja"? O certo é que seu voto não valerá, ao menos não da maneira que ele optou no dia da eleição, um direito seu.

Enfim, sabemos que nessas eleições de 2010, atípicas, mas tão simbólicas e concretamente históricas, o direito à cidadania no Brasil será mais uma vez escamoteado, vilipendiado. Mesmo que se alegue que o equílibrio dos três poderes se faz justo e necessário, sabemos que milhões de cidadãos/eleitores terão seus votos anulados ou validados "a bico de pena", nesse caso, dos supremos juízes do STF...